segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Eudaimonia e o significado do ano novo.

Eudaimonia segundo Aristóteles é a busca da felicidade. A capacidade humana de buscar a qualidade de vivenciar tudo que é bom sobre viver. A felicidade não é um momento tirado do nada que existiu por pequenos segundos. A felicidade é algo adquirido por atos repetidos numa vida toda; o cotidiano das nossas ações forma nossa felicidade e não uma explosão de felicidade num momento curto.

O que impressiona sobre esse conceito é que, diferente de Platão, Aristóteles fala que o que somos é simplesmente nossas ações com nossos amigos, família e trabalho durante o dia-a-dia. Por mais que hoje em dia vivenciamos a era da velocidade, algo perdura em nós, como num dos primeiros poemas do grande poeta Borges chamado o fim do ano[1]:

A verdadeira causa

É a suspeita geral e difusa

Do enigma do tempo;

É o assombro diante do milagre

De que apesar de infinitos acasos,

De que apesar de sermos

As gotas do rio de Heráclito,

Algo perdure em nós:

Imóvel,

Algo que não encontrou o que buscava

Existe algo sobre a definição de eudaimonia que reflete o que resta em nós depois que os anos passam. O que reflete sobre nós nas nossas ações diárias e nas decisões difíceis.

Nos mitos gregos, o herói nunca tinha qualquer chance sobre fugir do destino dos deuses. Édipo fugiu do seu destino tão somente para cumpri-lo exatamente como predito. Platão cria um mundo fora do cotidiano para justificar sua ética eterna para todos. Aristóteles só nos traz a ideia básica de que a ética existe pela forma que nos comportamos numa vida inteira pessoal: a questão não é do que fazer agora, mas como se comportar conforme os dias passam no próprio mundo das sombras.

A felicidade é quase algo em que podemos tocar e é feita em decisões extremamente difíceis. O meio-termo aristotélico não é nada mais do que uma forma de dizer que o mundo é extremamente complicado: tem vezes que optar por um extremo é o que precisamos fazer para atingirmos qualquer noção de bem estar. O meio-termo não é sempre metade de cada qualidade, mas sim saber exatamente quando oscilar sobre suas ações. Saber que você precisará ter raiva assim como calma, coragem assim como medo, e nesse caminho todas as qualidades e defeitos da imperfeição humana.

No final do ano invés de culpar uma metafisica por nossos problemas ou o destino do universo que caiu sobre a nossa cabeça, espero que possamos ficar com as sábias palavras da Malfada:



[1] BORGES, Jorge Luis. Primeira poesia. Fim do ano: Páginas 46, 47. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um outro olhar sobre a loucura.

Originalmente publicado em: http://petpol.org/2011/06/01/um-outro-olhar-sobre-a-loucura/

Erving Goffman e Michel Foucault são grandes autores que falam sobre a sociedade contemporânea, mas mais que isso eles são autores que trouxeram uma releitura sobre a questão da loucura: elas a colocaram no centro da formação de relações de poder, trazendo um debate da Psicologia para a Ciência Política. Essa releitura, que parte da relações de poder, pode ser importante para psicologia como uma diferente forma de interpretação da loucura que foge de uma visão de diagnóstico e objetividade.

Foucault, nesse contexto, parte da acusação de um novo tipo de poder no mundo de hoje, que já não é exercido diretamente por ditaduras ou fascismos. A mudança do conceito se opera no controle dos movimentos; na organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é o exercício[1]. O poder não é mais um processo global centralizado, mas, sim, se encontra diluído em diversos setores da vida social, e que pode ser encontrado na própria formação do conceito de loucura. Goffman por outro lado estuda a interação entre indivíduos e sua comparação com um teatro: “O mundo todo pode não constituir evidentemente um palco, mas não é fácil especificar os aspectos essenciais em que [ele] não é” [2].

Foucault argumenta que o poder se dissipa das formas mais variáveis e sutis por meio de diversas instituições, e Goffman ajuda a enxergar como essas interações entre os indivíduos acontecem. Ele argumenta que seu trabalho levará em conta primordialmente a interação de tipo mais teatral e contextual, a de natureza não-verbal e presumivelmente não-intencional, quer esta comunicação seja arquitetada propositadamente quer não[3]. A comparação parece traçada de forma mais simples, Foucault acusa um novo tipo de poder que se expressa em micro-relações, enquanto Goffman estuda a interação num nível de indivíduos.

Na modernidade, a instabilidade cria uma perseguição ao outro, onde surge a loucura; a vontade de instalar uma ordem segura contra todos os desafios futuros torna-se irresistível e esmagadora[4]. O próprio nazismo pode ser um dos casos mais significativos onde uma modernização foi aliada com a criação de um outro indivíduo, e sua conseqüente perseguição. A história da loucura feita por Foucault é uma tentativa de rever como esse conceito foi mudando ao longo do tempo. Na idade média, o louco era visto como andarilho, e era bem aceito na estrutura das cidades. No absolutismo houve a criação de hospitais gerais onde o louco passa a ser visto como um distúrbio da sociedade, sendo isolado junto com os miseráveis e outros perseguidos daquela sociedade. Por final, nos dias de hoje, o homem moderno não se comunica mais com o louco:

‘’De uma parte há o homem da razão, que delega a loucura ao médico e que autoriza apenas a relação com a universalidade abstrata da doença: de outra parte há o homem da loucura, que se comunica com o outro apenas por intermédio de razões tão abstratas como são a ordem, coação física e moral, pressão anônima de grupo e a exigência de conformidade” [5]

Goffman não vai estudar diretamente a relação do poder na loucura, já que seu estudo é voltado para a relação entre indivíduos num nível de teatro. O interessante é pensar
que esse estudo, mesmo quando não intencionalmente, acabou por mostrar relações de poderes nas instituições psiquiátricas. A violência que se enxerga nessas instituições é o isolamento pela organização formal, onde cada pessoa se torna um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu[6]. O controle é feito de forma próxima a Foucault, de diversas formas sutis: a admissão; a vigia constante onde em nenhum momento o louco se encontra sozinho; a estrutura de hierarquia; e finalmente a impossibilidade de ter outro papel que não o do louco na instituição.

Goffman passou muito tempo observando instituições psiquiátricas para concluir que o eu do individuo é morto de diversas formas pelo controle irrestrito exercido nesse lugar. O controle pode não ser violento e direto, mas por meio de uma série de procedimentos e rituais, a pessoa passa ser cercada no que se é mais intimo. A entrada na instituição já marca um ritual, que pode incluir um teste de obediência ou até um desafio de quebra de vontade, o novato insolente pode receber castigo imediato e exagerado, que o obriga a pedir perdão ou se humilhar[7].

A conclusão que queremos chegar nesse breve ensaio é qual o critério para loucura, e se esse mesmo pode ser desligado das relações de poder partindo da visão da perseguição do outro na modernidade. Essa pergunta é emblemática e retomao que Foucault e outros autores já buscaram: O que na sociedade pode categorizar alguém em louco ou na sua sanidade perfeita? Existe essa delimitação clara?

A resposta à qual nos aproximamos é que a sociologia ajuda a mostrar que a loucura não é uma ilha perdida no oceano da razão e, sim, que ela pode ser entendida como um continente que se mascara das razões. A brincadeira do autor José Machado Pais nos leva a pensar na dicotomia de loucura e razão: ela é feita por rótulos, em premissas construídas, idéias preconcebidas e eventuais mentiras que de tão consensuais podem parecer verdade[8].

O contato mais próximo com o tema, revela uma outra forma, uma que busca na loucura mostrar que esse conceito é mais fluido do que como é normalmente delimitado socialmente; que as construções e relações reais entre os loucos fogem de uma simples dicotomia entre loucura e razão: não existe um louco num mar de ordem e razão, e sim uma confusão entre esses conceitos. A mensagem final da visão que parte de Goffmand e Foucault é que os loucos podem se encontrar na própria sociedade, ou como colocaria Foucault, a razão não é possível sem a loucura, ao contrário, uma razão verdadeira teria que traçar os caminhos da loucura. Na voz de uma senhora que trabalha há anos no internato com loucos em regime aberto: “Sim, andam lá fora, estão em regime aberto, mas não tenha medo deles, não fazem mal a ninguém. Tenha antes receio dos outros que não são doentes, esses é que são loucos” [9].

Referências
Bibliográficas:

FREITAS, Fernando Ferreira Pinto de. A
história da psiquiatria não contada por Foucault. Hist.
cienc. saude-Manguinhos
, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, Apr.
2004 . Available from
.
access on 25 Jan. 2011. doi:
10.1590/S0104-59702004000100005.

FOUCAULT,
Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

FOUCAULT,
Michel. A história da loucura. São Paulo: Editora perspectiva, 1987.

GOFFMAN, Erving.
A representação do Eu na vida cotidiana. Petrópois: Vozes, 1975.

GOFFMAN, Erving.
Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Editora perspectiva, 1974.

PAIS, José
Machado. Nos rastros da solidão. Porto: Editora Ambar, 2006.


[1] FOUCAULT,
1977, P. 133.

[2] GOFFMAN,
1975, P.14.

[3] GOFFMAN,
1975, P.14

[4] BAUMANN,
1995, P.25.

[5] FOUCAULT,
1961, P.160 APUD FREITAS, 2004, P.77.

[6] GOFFMAN, 1974, P.22

[7] GOFFMAN, 1974, P.26

[8] PAIS, 2006, P.79.

[9] PAIS,
2006, P.25

Natal e o outro.

Originalmente publicado em: http://petpol.org/2010/12/22/o-natal-o-louco-e-o-outro/

O natal e o outro.


Natal, nada mal: luzes, comida boa, rostos sorridentes, paz?, amor?. Nessa época do ano parecem que todos decidem de falar do outro, de querer ajudar e finalmente reconhecer a existência do outro. O que é ignorado 364 dias do ano é retomado: orfanatos, asilos, manicômios, todos os lugares que caem em esquecimento ao longo do ano. Em um dia decidimos que existimos em sociedade, e nesse dia falamos sobre o quão bom estamos sendo, e quem sabe até o papai Noel deixa um presente na chaminé. Nossa consciência está salva, afinal um dia do ano de bondade já representa tudo que precisava ser feito: afinal quem tem tempo nos dias do hoje com essa correria?

Não precisamos ir muito longe para pensarmos sobre o assunto, por mais que algumas pessoas adorem passar o natal num país do exterior, porque esse troço de país atrasado é um saco mesmo. Agora falando sério, nesses 364 dias que tipo de contato temos com os mendigos ao nosso redor, por exemplo? Eu escuto muito que natal é época de ajudar em iniciativas de comida para a ceia de natal, nunca desmerecendo tais iniciativas pois ela são essenciais nessa época do ano, mas o que acontece no resto do ano? Como lidamos com esse tipo relação? É uma relação de não reconhecimento: não reconhecemos o mendigo. Narciso só gosta do que narciso vê no espelho. Ao optarmos por uma exclusão quase natural na sociedade de um segmento, deixamos algo ali do lado. Deixamos de lado parte do que é humano, porque nos definimos a partir do que não somos. Eu tenho uma casa, ele não, eu tenho minha sanidade, ele não, o certo está aqui, o errado tem que estar do outro lado. Será que são eles que fogem da sociedade ou a sociedade que foge deles[1]?

O outro agora se transforma no exótico, vivemos numa sociedade baseado no não reconhecimento de pares. Sugiro que nessa época de natal enquanto estivermos nos deliciando com uma bela refeição e cantando uma simples canção de natal possamos pensar que não são necessários três fantasmas, do passado, presente e futuro, para que as coisas sejam modificadas:

“Nunca mais Scrooge encontrou os espíritos, mas desde aquele dia passou a viver sob o principio da generosidade total. E todos concordavam em dizer que ali estava um homem que sabia celebrar o natal e manter seu espírito vivo o ano todo- se é que algum homem consegue isso. Que o mesmo possa ser dito de cada um de nós”.

Charles Dickens[2]

Por Fernando Modelli


[1]PAIS, José Machado. Nos Rastros da solidão: deambulações sociológicas. Ambar: Portugal, 2006.

[2] Um conto de natal/ Charles Dickens; tradução de Ademilson Franckini e Carmen Seganfredo; ilustrações de Eduardo Oliveira.- Porto Alegre: L&PM, 2007.

Começo.

Aqui se tenta colocar reflexões sobre filosofia coletadas ao longo dos anos, mas que nunca tiveram local para serem publicadas ou que foram republicadas nesse blog como forma de memória. O limite são pequenas reflexões de no máximo três páginas.