sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal e o outro.

Originalmente publicado em: http://petpol.org/2010/12/22/o-natal-o-louco-e-o-outro/

O natal e o outro.


Natal, nada mal: luzes, comida boa, rostos sorridentes, paz?, amor?. Nessa época do ano parecem que todos decidem de falar do outro, de querer ajudar e finalmente reconhecer a existência do outro. O que é ignorado 364 dias do ano é retomado: orfanatos, asilos, manicômios, todos os lugares que caem em esquecimento ao longo do ano. Em um dia decidimos que existimos em sociedade, e nesse dia falamos sobre o quão bom estamos sendo, e quem sabe até o papai Noel deixa um presente na chaminé. Nossa consciência está salva, afinal um dia do ano de bondade já representa tudo que precisava ser feito: afinal quem tem tempo nos dias do hoje com essa correria?

Não precisamos ir muito longe para pensarmos sobre o assunto, por mais que algumas pessoas adorem passar o natal num país do exterior, porque esse troço de país atrasado é um saco mesmo. Agora falando sério, nesses 364 dias que tipo de contato temos com os mendigos ao nosso redor, por exemplo? Eu escuto muito que natal é época de ajudar em iniciativas de comida para a ceia de natal, nunca desmerecendo tais iniciativas pois ela são essenciais nessa época do ano, mas o que acontece no resto do ano? Como lidamos com esse tipo relação? É uma relação de não reconhecimento: não reconhecemos o mendigo. Narciso só gosta do que narciso vê no espelho. Ao optarmos por uma exclusão quase natural na sociedade de um segmento, deixamos algo ali do lado. Deixamos de lado parte do que é humano, porque nos definimos a partir do que não somos. Eu tenho uma casa, ele não, eu tenho minha sanidade, ele não, o certo está aqui, o errado tem que estar do outro lado. Será que são eles que fogem da sociedade ou a sociedade que foge deles[1]?

O outro agora se transforma no exótico, vivemos numa sociedade baseado no não reconhecimento de pares. Sugiro que nessa época de natal enquanto estivermos nos deliciando com uma bela refeição e cantando uma simples canção de natal possamos pensar que não são necessários três fantasmas, do passado, presente e futuro, para que as coisas sejam modificadas:

“Nunca mais Scrooge encontrou os espíritos, mas desde aquele dia passou a viver sob o principio da generosidade total. E todos concordavam em dizer que ali estava um homem que sabia celebrar o natal e manter seu espírito vivo o ano todo- se é que algum homem consegue isso. Que o mesmo possa ser dito de cada um de nós”.

Charles Dickens[2]

Por Fernando Modelli


[1]PAIS, José Machado. Nos Rastros da solidão: deambulações sociológicas. Ambar: Portugal, 2006.

[2] Um conto de natal/ Charles Dickens; tradução de Ademilson Franckini e Carmen Seganfredo; ilustrações de Eduardo Oliveira.- Porto Alegre: L&PM, 2007.

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